Momento de Concluir


Celso Rennó Lima

 

É chegado o momento de concluir para que a experiência e o trabalho deste tempo para compreender não percam seu sentido. É um momento de concluir muito especial pois ele não aponta um final, uma interrupção, nem mesmo uma solução de continuidade. É um momento de concluir que relança o vetor do desejo na direção de um trabalho que pretende continuar vivo em função da causa que o sustenta.
Ao longo deste período, vários aspectos teóricos que foram utilizados para dar conta do momento de passagem de analisante a analista, foram revistos a partir mesmo das discussões que se seguiram às exposições feitas ao longo destes três anos de atividade como AE.
Pretendo privilegiar alguns pontos, que ressalto como mais profícuos e que, de alguma maneira, acrescentaram algo ao que apresentei por ocasião do primeiro relato.
Entre eles, destaco a função do traço na constituição do sintoma que levou o sujeito a análise, bem como o seu destino no final. A partir desta redefinição, o trajeto desta análise bem poderia ser resumido da seguinte forma: "Do sintoma da identificação à identificação ao sintoma".
Assim, foi possível redimensionar a função do traço que se decantou a partir da queda das identificações - representada pela imagem do Limão que, até então, sustentava o sujeito na sua relação com o desejo do Outro –, num significante que veio a se definir como Lima e que permaneceu como ponto de articulação lógica, propiciando uma nova leitura do lugar do sujeito na sua relação com o Outro. Na verdade, se Limão era um significante que se apresentou como resposta ao Desejo da Mãe, Lima foi extraído como Nome Próprio, cunhado na ranhura que inscreve o Nome do Pai. Herança que foi conquistada, fazendo-se sua. Uma questão então permanece, a partir desta evolução: O nome próprio seria um significante ou ele se apresenta ali, onde não pode ser pronunciado, apenas como a presença de uma letra? Uma letra que pode ser transmitida do momento do passe, digamos, clínico, e que vai indicar ao Cartel do Passe que um analista pôde advir no final de uma análise. Assim, partindo do sintoma da identificação o sujeito desconstruiu a palavra até obter dela seu valor de letra, o valor de significante enquanto escrito: S(A/) "O S, o verdadeiro significante de A - o que do significante permanece, uma vez que se eliminou a palavra" . Esta é a escritura que permite ao ser falante subtrair-se aos artifícios do inconsciente, ao mesmo tempo que deixa claro o que do inconsciente pode se traduzir por uma letra: "que o desciframento se resuma ao que constitui a cifra, ao que faz com que o sintoma seja, antes de mais nada, algo que não cessa de escrever-se do real..." Assim posto, uma nova identificação pode acontecer, uma identificação que não é ao inconsciente. Identificar-se ao inconsciente está fora de cogitação pois, como nos diz Lacan, "o inconsciente permanece, o inconsciente permanece Outro" . A identificação da qual se trata, quando falamos em final de análise, é à letra do sintoma, àquela que, uma vez rompido o circuito préestabelecido pelo sentido congelado da fantasia fundamental, poderá tornar-se um traço que desvela a alíngua como corpo do simbólico e enlaça o corpo do imaginário ao corpo do real fazendo consistir os três termos Real, Simbólico e Imaginário. Esse é o caminho que culmina na transformação da experiência da fantasia fundamental, em pulsão, ao restabelecer o vazio do lugar do objeto pulsional.
O que se pode elaborar desta passagem – da experiência da fantasia fundamental à pulsão – mostrou que quando o sujeito extrai um pouco de prazer com o que está mais além do prazer, isto é, consegue um pouco de prazer com o gozo, trata-se aí da sua fantasia pois o vazio, em torno do qual a pulsão deveria fazer a volta, permanece preenchido pelo objeto que o sujeito interpretou como sendo do desejo do Outro. Mas, quando o sujeito vai satisfazer a algo que o confronta com o mais além do princípio do prazer, dizemos que é um assunto que se passa entre a satisfação e o gozo, colocando em questão a pulsão. Em outras palavras, se colocamos o sujeito do lado da fantasia, ele será satisfeito por algo, se o colocamos do lado da pulsão, teremos um sujeito que satisfaz a algo. Isto é para dizer que, de modo algum o sintoma será o mesmo se o abordamos pela dimensão do prazer e do gozo, ou do gozo e da satisfação.
Esta elaboração que, de alguma forma complementa aquela construída por ocasião do relato do Passe (a montagem com a Metáfora Paterna) encaminhou uma outra questão que vem sendo trabalhada em função mesmo do próximo Encontro Internacional de Buenos. Aires.
Assim, à luz do que pude introduzir acima, podemos pensar a Sessão Analítica como um lugar do possível que, orientado pela lógica própria a cada percurso, abre a possibilidade do acontecimento imprevisto colocando, em ato, a realidade sexual do inconsciente para que, desta forma, o sujeito tenha condições de tratar o real pelo simbólico.
Neste ponto em que examinaremos a Sessão Analítica será importante retomar a perspectiva do sintoma como sendo uma tentativa de restabelecer o laço entre o sujeito e Outro. Neste sentido, podemos dizer que ele é uma solução para evitar o encontro com a castração. O sujeito, portanto, nasce como efeito de um menos, um menos de gozo que advém da extração que o significante opera no campo do Outro. Esta operação traz, como conseqüência, um certo mal-estar, um certo incomodo que vai gerar um movimento de busca incessante, ali mesmo onde algo se perdeu. É a partir deste ‘menos’, portanto, que se instala o que Lacan denominou, de Automaton - a repetição da impossibilidade na cadeia significante. Esta repetição, ou seja isso que "não cessa de se escrever", é uma necessidade que vem dizer da impossibilidade que o próprio recalque originário (Urverdrängung) aponta. Contudo, todo este movimento só se sustenta por que há pontos de encontros que, pelo fato mesmo de serem sempre faltosos, acenam com a possibilidade de uma certa realização.
Assim, entre o que "não cessa de não se escrever" ( o impossível) e o que "não cessa de se escrever" (necessário) vamos nos deparar com um sujeito que, como nos diz Freud, tem que se haver com um dispêndio de energia adicional para lutar contra o desprazer (Unlust) ou sofrimento (Leiden) que esta situação pode criar. Sendo isso o que todo ser falante tem como fundamento de sua estrutura, existe, ainda conforme Freud, uma pre-condição para a formação de sintomas em todos nós. O sintoma, portanto, poderá ser definido como "o resultado de um conflito, e que surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido (libidobefriedigung). As duas forças que entraram em luta (que poderíamos aqui representar pelos dois movimentos: "não cessa de não se escrever" e "não cessa de se escrever") encontram-se novamente no sintoma e se reconciliam, por assim dizer, através do acordo representado pelo sintoma formado" . Em outras palavras posso dizer-lhes que este "acordo" seria uma negociação feita de tal forma que o sujeito diria assim: "pago um preço para não saber que existe algo que ‘não cessa de não escrever’, e este preço é uma satisfação substitutiva que, ao mesmo tempo em que provoca um certo desprazer (Unlust), é onde posso obter minha satisfação".
Temos, então alguns dados que são muitos importantes para o desenvolvimento de nosso tema: o sintoma é uma tentativa de criar uma harmonia ali, onde um menos se instalou provocando uma desarmonia.
Em outras palavras, um possível trajeto na formação do sintoma: a partir de um ‘menos’ que se instala como conseqüência da extração do objeto "a" pela operação significante, vai surgir uma intenção de significação que produz uma resposta que, exatamente por ser da ordem do impossível, vai relançar a busca de significação. Esta busca de significação é explicada por J.A.M. como sendo a "transformação da queixa que emerge do fundo do desprazer em mensagem (...) fazendo existir o sujeito de uma maneira nova no campo do Outro, e sob forma constituída" . No entanto, quando se formata uma queixa, ou como nos diz M. Silvestre: quando fazemos coincidir uma queixa e um sofrimento, vamos perceber que ela se desnatura, pois há o que se pode dizer e o que não de pode dizer pela própria impossibilidade do significante em dizer tudo. Esta dificuldade é o que faz com que a lógica própria ao Outro, ao estabelecer esta relação entre queixa e sofrimento, vá congelar e fixar a queixa numa certa cena. Em outras palavras, do que se trata aqui é de um certo percurso pulsional que estabelece uma certa correlação entre o sujeito e "um dos objetos que havia anteriormente abandonado" , porque "a libido é induzida a tomar o caminho da regressão pela fixação que deixou atras de si nesses pontos do seu desenvolvimento" , nos pontos em que queixa e sofrimento, gozo e mensagem, castração e envelope formal, se fizeram coincidir.
Quando alguém procura uma análise, espera-se dele um relato de sua infelicidade. Neste relato poderemos, então, perceber que há uma harmonia, há um arranjo que faz existir uma satisfação aí mesmo onde o sujeito se queixa de dor. Este é o paradoxo que Lacan define em Televisão ao dizer, que a demanda "de um que sofre" nos diz que "o sujeito é feliz", ou seja, "Eis justamente sua definição dado que ele só pode tudo dever à sorte, à fortuna, dizendo de outro modo, e que toda sorte lhe é boa para o que mantém, ou seja, para que ele se repita" .
Talvez possamos afirmar, neste ponto, que "o sintoma analítico, enquanto que formatado no campo do Outro, constituído como o que se instaura da cadeia significante, tem estrutura de ficção" . Isto o demonstra muito bem o sintoma histérico, na medida em que, na histeria, vamos ver o sintoma como ser de verdade do sujeito pois ele é deslocado desde baixo e colocado em evidência. Em outras palavras, ela faz "o objeto ‘a’ como real vir ao lugar da verdade".
Acrescento, neste ponto que é ao instalar-se como "ser de verdade" que o sintoma promove a construção de uma suposição de saber no campo do Outro. Partindo da premissa estrutural de que não há relação entre o sujeito e o Outro, o sujeito está, desde sempre, afastado de sua verdade. O laço possível, entre o sujeito e o Outro, se faz pelo sintoma. E se faz, com a criação de um "ser de saber" ali, onde a verdade lhe está vetada.
Estrutura de ficção, queixa, sofrimento, não importa como a ele nos referimos, a verdade é que o sintoma é o que vai dizer de algo que não vai bem e o "clamor da humanidade" é pelo apaziguamento do mal-estar que isso provoca.
Um passo a mais pode ser dado para desvelarmos um pouco da importância que o sintoma tem para cada sujeito. Por todas estas características que acabo de trabalhar, podemos perceber que o sintoma é o que cada um tem de mais particular, e também o de mais real. Por isso o sujeito neurótico se apega tanto a ele, como uma possibilidade que se lhe apresenta como única, de fazer frente ao que lhe está prescrito pelo Outro. É fundamental, portanto que, ao escutarmos o relato da infelicidade de alguém, tenhamos em conta que esta infelicidade sendo o que há de mais particular, é o que sustenta este sujeito enquanto um ponto de identidade. Talvez por isso é que, ao diferenciarmos o lugar do analista, do lugar do terapeuta, estamos dizendo que nosso compromisso não é com o movimento humanitário que, com seu clamor, espera poder uniformizar o que há de mais singular. Nosso compromisso é com a particularidade de cada um. Pôr-se a serviço desta verdade supõe um desejo que poderemos qualificar de inumano. Talvez por isso é que Lacan, em sua Nota Italiana , nos diz que o analista é o rebotalho da humanidade, na medida em que quer saber disso que todos querem esquecer. Em outras palavras, Lacan vai afirmar que o mal-estar na civilização consiste em gozar da renuncia ao gozo. Sim, porque ao estabelecer uma solução de compromisso entre as duas forças opostas que estão em conflito, o sujeito renuncia à possibilidade de um gozo possível. Gozo este que é possível somente na medida que o Outro é esvaziado de gozo, ou seja, na medida em que o sujeito deixa de acreditar que o Outro quer dele sua castração, que o Outro quer retirar-lhe o que ele tem de mais precioso: seu pequeno nada
O sintoma é gozo e mensagem a ser decifrada e está submetida ao que costumamos chamar de horror da castração. É neste menos, a castração, que vamos encontrar a particularidade do sujeito. Este menos, sinalizado pela presença do traço unário (Einziger Zug) é o que vai fazer o mais particular de cada um. É isto que Lacan denominou "estilo" e o que pode ser transmitido. Podemos dizer, com Lacan que o estilo é o objeto ‘a’ enquanto que marcado pelo traço unário, marcado pela incidência do "dizer verdadeiro" que deixou uma "ranhura" indelével. É esta ranhura do dizer verdadeiro que o sintoma tenta preencher, a partir mesmo da cena da fantasia fundamental que os significantes primários do sujeito construíram, ordenados a partir deste mesmo traço (Zug). No centro, o vazio deixado pela extração do objeto ‘a’, promovendo o "pouco de realidade" que dá consistência à relação do sujeito com o Outro. O final de análise passa por este traço unário.
Vamos nos ater, no entanto, ao que um sujeito faz para evitar este encontro com a castração. Uma das estratégias utilizadas é a instalação de um princípio de consistência que é exterior ao sistema que o sustenta, ilustrado, no início, pela imagem do Limão que havia sido construída como resposta ao Desejo da Mãe. Ou seja, há uma busca de garantia que venha de um Outro, não importa qual. Quando esta garantia, construída na ficção do sintoma, deixa de cumprir sua função, o sujeito vem buscá-la na análise. Neste caso, o que se espera é que um princípio de consistência venha restituir a harmonia perdida. Esta busca de recurso no Outro da ensejo à produção de uma significação que Lacan deu o nome de Sujeito Suposto Saber. Com isto, busca a certeza em uma afirmação que possa dizer do verdadeiro e do falso para tal ou qual proposição. Na verdade, o que se busca a partir do Sujeito Suposto Saber é a constituição de um ponto de estofo que possa manifestar uma consistência do discurso estabelecido. Só que este ponto de estofo estabelece um lugar de onde o sujeito vai receber seu próprio discurso de forma invertida, ou seja, o sujeito vai receber de volta uma significação, com a qual poderá ordenar o trajeto de sua existência: sou assim. Todo este processo só pode acontecer por que o ponto de estofo nos diz onde o desejo do Outro se coloca como ‘x’. Trata-se de um significante que busca dizer do que está para sempre recalcado (Urverdrängung), ou seja, questiona o Outro no ponto em que nada pode ser dito, a saber, o desejo. Desta forma, o problema da consistência virá à tona.
O que chamei há pouco de "desejo inumano", para designar o desejo do analista, é o que vai operar neste momento da análise, instalando ali, onde se espera uma consistência, a própria verificação da inconsistência do Outro.

Retomarei aqui algumas passagens do percurso que pôde se concluir, esperando poder destacar alguns aspectos que concernem ao manejo da sessão analítica.
A instalação do Sujeito Suposto Saber veio colocar um ponto de basta na circulação da angústia que se apresentava como sinal da desestabilização do sintoma. O traço que o sustentou até o final, permitindo que um trabalho pudesse ser realizado, passava pela possibilidade de aprender a escrever. Traço este que foi emprestado ao analista a partir mesmo do saber que sustentava a relação entre o significante da transferência e o significante qualquer no Outro. Sabe-se que esta é a solução que o sujeito, preso nas malhas do sentido que lhe propicia sua cena fantasmática, busca para continuar sem nada saber do que causa seu desejo.
Por isso mesmo emprestou-se ao analista um traço que pudesse restabelecer uma certa parceria que mantivesse distante a ameaça do desamparo. Este traço, que se constitui no que Lacan definiu como significante qualquer, não é qualquer um. Trata-se de um traço que se encontra o mais próximo possível do vazio onde reina o objeto da fantasia fundamental.
Com função primordial na sustentação deste terreno onde a batalha poderá ser vencida, o analista se coloca num certo lugar que permita a constituição de um semblante, possibilitando ao inconsciente, efeito do significante e estruturado como uma linguagem, ser retomado como pulsação temporal . Quando o analista, por uma razão ou outra não se coloca nesta posição, ele estará impedindo o "acontecimento imprevisto". Ele, na verdade vai estar impedindo a abertura deste instante onde o saber e a verdade se tocam em um ponto contingencial, sem dúvida, mas que possibilita a efetuação de uma pulsação da falha de onde um traço de luz pode jorrar . Poder suportar este lugar e sustentá-lo a partir de um desejo, que Lacan definiu como inédito, é abrir-se ao novo.
A sessão de cinqüenta minutos comportava um standard que podia até apaziguar o sujeito em questão porque ela comportava um "eu já o sabia". O "imprevisto", ao contrário, vai deixar o "eu já o sabia" de lado e colocar no horizonte de cada sessão a surpresa, o novo. Se há algo que, verdadeiramente diferencia a Sessão Analítica, tal como é praticada, hoje, sustentada pelo ensino de Lacan, isto pode ser resumido nestes dois parâmetros fornecidos pelo subtítulo do XI Encontro Internacional: "As lógicas do tratamento e o acontecimento imprevisto".

Uma outra face do trabalho deste período: a relação com a Escola. Vários são os aspectos que poderiam ser destacados. O mais marcante foi, sem duvidas, poder exercer as funções de Diretor Geral da EBP durante o período de AE. A coincidência destas duas funções pôde dizer da diferença entre Gradus e Hierarquia sem que, contudo, elas se declarassem incompatíveis. A direção pode se associar à "Orientação Lacaniana" dizendo de uma transferência de trabalho que se fortaleceu com o trabalho de transmissão.
Recentemente, nas Jornadas Anuais da EOL, aconteceu uma pergunta dirigida aos AEs que ali se apresentavam e que me parece poder ilustrar um pouco a relação do AE com a Escola, com a clínica assim como os efeitos da nomeação. Transcrevo, aqui, a resposta que enviei, depois do Encontro, a pedido de uma colega:
Na verdade a prática clínica se modifica depois do final da analise. Não em função da nomeação, mas em função do próprio final da análise e da emergência do desejo do analista. A nomeação vai modificar as relações com a Escola e da Escola com o analista, produzindo efeitos que incidem sobre a transmissão.
O final de analise propicia um ponto de articulação lógica do trajeto e, consequentemente, fornece elementos fundamentais a escuta do analista. A nova articulação que se pode ter da cena fantasmática desobstrui a escuta.
Sabemos que temos pontos cegos. Pontos em que a emergência do real nos leva a lançarmos mão de defesas que nos impedem uma escuta que não seja dominada pelo sentido. Quando somos tocados no ponto de gozo, o cúmulo de sentido toma a cena, fazendo-se presente como enigma a decifrar. A transformação da experiência da fantasia fundamental em pulsão, a partir mesmo do esvaziamento do lugar do objeto nos permite fazer o exercício da atenção flutuante, abrindo caminhos para que o analisante possa ir da palavra a letra.

Numa outra ocasião, também recente, Bernardino Horne e eu fomos convidados por Alberto Murta a responder algumas questões que nós mesmos fizéssemos, um ao outro. Foi assim que Bernardino me solicitou opinar sobre o AE permanente. Pude, então, dizer-lhe o seguinte:

Coincidência ou não, quando Bernardino me enviou sua pergunta eu estava começando a ler uma passagem de um dos seminários sobre Política Lacaniana que foi coordenado por Miller (97-98) e que tem como sub-título "A questão do AE permanente". Este seminário foi muito esclarecedor para mim que, num primeiro momento participava do côro daqueles que diziam "não" ao AE permanente. Meu argumento imediato se sustentava em um fato histórico proveniente da primeira Escola de Lacan (EFP). Quando Lacan decidiu dissolver sua Escola, vários pontos pesaram nesta sua decisão, entre eles o que ele chamou de fracasso do Passe. Este fracasso pode ser verificado pela própria posição que assumiram os AE daquela época: o silêncio e a formação de uma casta: "haviam AEs que não eram formidáveis, que se calavam..." (Miller)
No entanto, hoje, já no final de meu exercício como AE, tendo vivenciado uma longa trajetória em que nada parecido como uma casta pudesse ser constituída a nível de nossa Escola, hoje, verificando que os AE falam, trabalham e, verdadeiramente se colocam em posição de responsabilidade em relação ao progresso da Escola e fazendo valer o que está proposto em 1967: testemunhar sobre os pontos cruciais da análise, assumo uma outra posição.
Um outro fator, entretanto, contribuiu para esta minha mudança. Encontro uma frase, no seminário que mencionei acima, que pode resumir muito bem as razões de se ter um AE permanente: Não aceitar esta proposta "é renunciar à idéia de que algo definitivo se produziria no final da análise". Concluindo esta primeira troca de questões, eu digo que, se verdadeiramente aconteceu um final de análise, onde um desejo inédito pode ser demonstrado e um AE pode ser nomeado, a formação de uma casta que se sustenta nos valores do grupo deverá estar totalmente afastada. Quando o analisante alcançou a abertura deste instante onde o saber e a verdade se tocam, como já mencionei acima, em um ponto contingencial, acontece a efetuação de uma pulsação da falha de onde um facho de luz pode jorrar, deixando uma marca que se inscreve como desejo. Poder suportar este lugar e sustentá-lo é poder abrir-se ao novo. Permanente, portanto, é equivalente ao novo inerente ao próprio desejo do analista.
Termino por aqui. As portas de uma nova etapa já estão abertas. Com entusiasmo anuncio um novo AE, nomeado esta semana pelo Cartel do Passe B5 da AMP e produzido pelo dispositivo que inclui passadores bilingües, colocando mais próxima a possibilidade de termos, na AMP, um cartel de passe conclusivo composto por AEs brasileiros.